Resenha

Quarto Aberto nos coloca diante de nós mesmos

Novo romance de Tobias Carvalho foi lançado em julho pela Companhia das Letras

Guilherme Freling
4 min readSep 12, 2023

Um chlichezão quando se fala sobre literatura é dizer que ela pode nos fazer explorar por novos lugares e experiências e realidades; que ela tem capacidade de registrar histórias distantes e de gerar nos leitores a empatia pelo diferentes.

E quando a literatura fala sobre a realidade que a gente vive? Quando os personagens passam por dramas que você refletia minutos antes de começar a leitura? E quando os cenários da história são os mesmos que você frequenta diariamente?

Ele tinha recém postado um story vendendo o livro. Eu logo respondi queroo e comprei, autografado, Quarto Aberto, o novo romance de Tobias Carvalho.

Em dois dias tinha lido. Escrito em um gauches com que me deparo todo os dias, o livro nos coloca diante de nós mesmos. Pra um jovem-adultinho, gay, vivendo em Porto Alegre, o livro é praticamente uma conversa de bar. Como se estivesse lendo, embalado em literatura, os dramas de amigos ou pessoas que conheço.

Nós, explico, jovens adultos gays, moradores da capital, imersos em uma experiência sexual e afetiva que é a cara do século XXI.

Artur, o narrador personagem, namora Caíque, mas reencontra Eric, com quem teve um caso no passado e que agora namora Antônio. Além do trabalho em uma livraria, Artur também é Karma, uma drag queen em quem Artur se transforma para fazer apresentações no Workroom e juntar uma grana extra.

Como Karma mesmo diz a certa altura, “bicha adora procurar sarna para se coçar” e é em torno das coceiras que gira a história do livro. Antônio, após descobrir a traição de Eric, quer saber mais sobre esse terceiro menino está trocando seus beijos babados. A partir daí, todos os protocolos de aproximação, encontros, saídas, transas e descobertas está vai se (des)enrolar.

Ninguém sabe muito bem como lidar com a situação. Falta uma receita social, um padrão definido. Os conflitos e dúvidas e angústias quemarcam nossa geração pipocam como a cada página do livro: o que é traição? Será que ele ainda me ama? Será que eu quero saber? E se eu me entregar a essas novas experiências e ver no que vai dar?

Há algumas décadas, escrever um livro sobre esses assuntos, de forma tão aberta, seria pior que cuspir na cruz. Mas Tobias Carvalho, que venceu o prêmio Sesc de literatura por As Coisas, em 2018, e o Açorianos por Visão Noturna, neste ano, não está escrevendo há algumas décadas. Como todo bom autor, fala sobre seu tempo. E o faz com muita propriedade. Por vezes, é difícil acreditar que se trate apenas de ficcão.

Graças a revolução sexual e as muitas lutas envolvidas, sexo e relacionamento perdeu as muitas camadas de tabu que a rodeavam. O assunto está longe de precisar a boca miúda ou da falta de pudor para ser discutido. Em Quarto Aberto é um produto de toda essa liberdade do século XXI. As cenas de sexo no livro não poupam detalhes. Os gestos, as trocas, as sensações; tudo é compartilhado.

Da mesma forma, as descrições de experiências com drogas inebriam. Tobias se entrega — como para todo o resto — e nos leva por uma viagem parecida com a do personagem. Os sentimentos, as sensações, emoções. São descrições de quem está entregue ao texto e renuncia ao pudor de si para compartilhar o que sente.

Além da liberação sexual que molda as novas gerações, a abordagem do sexo também parece se inserir na nova febre editorial: publicações extremamente picantes encapadas em designs fofinhos. Em agosto, a Folha fez uma reportagem a respeito falando da popularidade dessas edições entre adultos. O texto cita Vermelho, Branco e Sangue Azul, de Casey McQuiston, e Quebrando o Gelo, de Hannah Grace.

Terceiro livro do Tobias Carvalho foi lançado em julho pela Copanhia das Letras. Foto: Reprodução

Contudo, é um erro pensar que a história se limita a ser picante e ter uma capa fofinha. A história vai além de contar quem transou — e de que forma — com quem. O valor do livro está em desnudar um mar de emoções, sentimentos e angústias que grassam esta geração.

A discussão que a história faz sobre relacionamento aberto, por exemplo, foge da superficialidade de contratos ou combinados. O foco está na forma com quem os personagens encaram esse conflito.

O que torna a história ainda mais gigantesca é que tudo isso é compartilhado longe de um julgamento moral. O valor do livro não é apontar quem está certo ou errado. Quem é o herói ou vilão. Mas mostrar que temos desejos, que somos afetados por ela e nem sempre temos noção do que estamos fazendo.

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