Reportagem

Como os deputados gaúchos reeleitos participaram do orçamento secreto

Guilherme Freling
5 min readOct 13, 2022

Por Guilherme Freling e Lorenzo Mello

Plenário da Câmara dos Deputados. Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil

Dos 23 deputados federais reeleitos pelo Rio Grande do Sul, quinze fizeram indicações ao orçamento por meio de emendas de relator na última legislatura. Dos oito parlamentares que não indicaram verbas, sete são de partidos de oposição ao governo Jair Bolsonaro: PT, PDT e PSOL. O oitavo é do partido NOVO. Os dados são de um levantamento feito pelo repórter Breno Pires, da revista piauí.

Entre os dez deputados federais reeleitos mais votados no estado, só três destinaram recursos via emenda RP9, nome técnico para emenda do relator. São eles: Giovani Cherini, do PL; Alceu Moreira, do MDB; e Lucas Redecker, do PSDB.

Dos cinco candidatos mais votados, apenas um indicou o destino das emendas de relator, Giovani Cherini, do PL. Os outros quatro não participaram da destinação dessas verbas: Marcel Van Hatten, do NOVO; Paulo Pimenta, do PT; Fernanda Melchionna, do PSOL; e Maria do Rosário, do PT.

As emendas de relator são uma modalidade de indicação de recursos do orçamento federal, que historicamente eram usadas para pequenas correções na lei orçamentária. No entanto, durante o governo Bolsonaro, ganharam força e se tornaram uma forma de destinação de recursos para favorecer aliados do governo. Essa prática ficou conhecida como orçamento secreto, devido à falta de transparência sobre a autoria das indicações e de critérios técnicos para garantir a qualidade do gasto público.

Na eleição deste ano no Rio Grande do Sul, os deputados federais que não indicaram emendas de relator ao longo do último mandato tiveram 52% a mais de votos. Foram 157.827 votos contra 103.853 dos parlamentares que não indicaram.

Relação entre participação no Orçamento Secreto e número de votos obtidos pelos deputados federais reeleitos no RS. Cada ponto representa um parlamentar.

Quando os parlamentares que não fizeram indicações de emendas de relator são excluídos do gráfico, a tendência se inverte. A mudança sugere que os recursos podem ter favorecido membros da base governista, que têm maior acesso aos recursos.

Excluindo candidatos que não distribuíram emendas de relator, a tendência muda. Quem distribuiu mais verbas, conseguiu mais votos.

Para Bruno Schaefer, pesquisador do programa de pós-graduação em Ciência Política da UFRGS, é preciso analisar individualmente a influência que os recursos têm para cada partido. “Não dá pra ignorar que existe uma relação [entre o montante de recursos do orçamento secreto e a votação obtida pelo parlamentar], mas não acho que seja uma relação de causalidade, porque os parlamentares da oposição, que não indicaram nenhum recurso, tiveram bastante votos também”, afirma.

Algumas características do eleitorado ajudariam a explicar a diferença na votação entre os partidos. Siglas como PT, PSOL e NOVO tendem a ter um eleitorado mais ideológico e concentrado em grandes centros urbanos. Nessas regiões, a influência dos recursos de emendas parlamentares é menor, e os eleitores são menos suscetíveis à campanha de cabos eleitorais, como prefeitos e vereadores.

Em novembro de 2021, a ministra Rosa Weber, do STF, suspendeu temporariamente a execução do orçamento secreto feita “à margem da lei”, segundo a magistrada. Na decisão, Rosa Weber argumentou que a forma de execução das emendas do relator “viola o princípio republicano e transgride os postulados informadores do regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado”. Além disso, afirmou que o favorecimento de aliados do governo é antidemocrático.

No mês seguinte, a ministra foi convencida a liberar os recursos mediante uma promessa de transparência vinda do meio político. Para divulgação das indicações orçamentárias, a Câmara de Deputados criou a ferramenta Sindorc. Porém, quase um ano depois, somente parte da autoria das indicações é conhecida.

À piauí, a doutora em Ciência Política e professora de Direito da FGV, Isabel Veloso, afirmou que “embora não seja possível estabelecer uma relação causal única entre o acesso ao orçamento secreto e o número de votos, esse panorama de sucesso eleitoral do Centrão denota que o orçamento secreto pode ser um caminho sem volta. Em outras palavras, a manutenção desse cenário será prioridade para esses parlamentares”.

Entre os deputados federais pelo Rio Grande do Sul reeleitos, Covatti Filho, do PP, é o campeão de indicação de recursos por meio de emendas de relator. Foram R$ 54 milhões em indicações. Ele é seguido por Marcio Biolchi, do MDB, com R$ 44,5 mi; e Giovani Cherini, do PL, com R$ 42 mi. Na outra ponta da lista, o deputado reeleito que indicou menos verbas foi Heitor Schuch, do PSB, com R$ 2,7 milhões.

Deputados federais reeleitos que indicaram recursos por meio de emendas de relator. Tabela: Breno Pires / revista piauí / Reprodução

A base de dados organizada pela revista piauí trata somente de R$ 19 bilhões, de um total de R$ 45 bi empenhados para as RP9. Até o final do ano, R$ 8 bilhões ainda podem ser destinados às emendas de relator.

A bancada gaúcha do orçamento secreto reeleita é formada por partidos do chamado centrão — PP, PL e Republicanos — e partidos que, embora se declarem independentes, têm atuação mais governista: MDB, PSD e PSDB. O único deputado de um partido de oposição que indicou verbas por meio desse mecanismo foi Heitor Schuch, do PSB.

No total, quinze deputados gaúchos reeleitos indicaram, oficialmente, R$ 395,5 milhões, o que corresponde a menos de 5% do total das indicações públicas. Na média, cada voto obtido por estes candidatos custou R$ 254 em emendas de relator. Esses recursos não se confundem com as verbas destinadas à campanha eleitoral, como o próprio fundo eleitoral.

Individualmente, o deputado Covatti Filho é quem teve o voto mais “caro”. Cada um dos seus 112.910 votos custou R$ 477 dessas emendas. Depois, vêm Marcio Biolchi (MDB), R$ 445; Osmar Terra (MDB), R$ 369; Marlon Santos (PL), R$ 321; e Pedro Westphalen (PP), R$ 306. Na ponta de baixo da tabela, estão Heitor Schuch (PSB), com R$ 34 cada voto; Lucas Redecker (PSDB), com R$ 89 e Daniel Trzeciak (PSDB), com R$ 110.

“Custo” de cada voto recebido pelos deputados reeleitos pelo RS que destinaram emendas de relator. Tabela: Breno Pires / revista piauí / Reprodução

Somadas as indicações por partido, o maior participante gaúcho do orçamento secreto é o MDB, com R$ 128 milhões. Depois, vêm PL, PP e PSD, seguidos por PSDB, Republicanos e PSB.

Soma dos valores indicados pelos partidos da bancada gaúcha por meio das emendas de relator. Tabela: Breno Pires / revista piauí / Reprodução

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