A formação de um dos maiores

Recital de meio de curso de Dhouglas Umabel é pequena amostra de um grande artista gaúcho

Guilherme Freling
4 min readSep 23, 2023

Assisti, no domigo, ao recital de meio de curso de Dhouglas Umabel. Embora fosse de meio de curso, o artista que subiu ao palco era um artista completo — como deixaram claro cada uma das obras escolhidas. Dos clássicos do instrumento ao popular, Dhouglas transita com a propriedade de quem está a cada dia mais se firmando como um dos principais violinistas, intérpretes e arranjadores do estado.

Hoje com 25 anos, Dhouglas começou na Orquestra Jovem do Rio Grande do Sul, com o professor Telmo Jaconi. Depois, entrou para a Escola de Música da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e foi spalla da OSPA Jovem. Foi aluno dos professores Mauro Rech e Emerson Kretschmer — músicos com quem divide estantes, desde o ano passado, no naipe dos primeiros violinos da OSPA

Em paralelo aos estudos formais e “certinhos”, como se referiu em uma fala do recital, Dhouglas sempre manteve um pé na música popular e reginal. Participou dos festivais mais importantes do estado, fosse como instrumentista ou como arranjador. Chegou a vencer o prêmio de melhor instrumentista do 30° Carijo da Canção Gaúcha, de Palmeira das Missões, em 2015, quando ainda cursava o Ensino Médio.

A noite começou com a obra Notas Sombrias, para violino solo, de Bruno Kiefer (1923–1987). Marcada por dissonâncias, cordas duplas, ausência de uma linha melódica tradicional, com estética modernista, a peça exige um tremendo esforço técnico para que o intérprete faça soar como música.

Kiefer foi um imigrante alemão que chegou ao Brasil com 11 anos e aqui deu importantes contribuições para a música. Lecionou no Insituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e hoje também nomeia o teatro na Casa de Cultura Mario Quintana.

Para cumprir a exigência de um concerto para o instrumento solo, Dhouglas escolheu Tchaikovsky (1840–1893). A obra é uma das mais famosas do compositor e uma das mais difíceis do repertório fundamental do instumento.

Os movimentos Allegro moderatto e Canzonetta, acompanhados pelo pianista Eduardo Knob, mostraram um domínio completo da técnica indispensável do instrumento. A projeção do violino alcançava todo o Auditorium Tasso Correa, no Instituto de Artes da UFRGS, e abraçava as cerca de quarenta espectadores.

A última peça antes do intevalo foi uma adaptação de três obras para viola e piano do brasileiro César Guerra-Peixe (1914–1993). Guerra-Peixe, uma cria do modernismo e inspirado pela obra de Mario de Andrade e Villa-Lobos, eleva o popular brasileiro à categoria de concerto. Os três movimentos — Baião de Viola, Reza-de-defunto e Toque Jejê — são obras compostas a partir de inspirações da música popular do país, mas com uma estética dodecafônica moderna e contemporânea.

Recital de meio de curso do violinista Dhouglas Umabel acompanhado do pianista Eduardo Knob. Foto: Vitor Ceolin / Reprodução

Na segunda parte do recital quem subiu ao palco foi o Dhouglas intérprete, autor da música popular. Saiu de cena o paletó e a gravata para dar lugar à experimentação e a outra parte essencial da sua formação musical.

A primeira obra foi Tico Tico no Fubá, do Zequinha de Abreu. Mas a versão tocada tinha menos de Tico Tico do que uma exibição das habilidades de arranjador e compositor de Dhouglas. Na quase-fantasia, ouviu-se inspirações argentinas, contemporâneas, clássicas e brasileiras. Até um tributo à era digital surgiu, quando Eduardo e Dhouglas reencenaram um meme clássico do universo da música de concerto.

Para encerrar o recital, Dhouglas trouxe ao palco aquele que é sua principal referência no estudo da regionalista — Sérgio Rojas (1959).

“Compositor e cantante”, a quem Mercedes Sosa referiu como amigo em um show em São Paulo, Rojas é um dos três professores mais importantes na formação de Dhouglas. Além dele, completam a lista Telmo Jaconi, da OJRS e Camilo da Rosa Simões, professor do IA— que assistiu, sorridente, ao recital.

Rojas e o contrabaixista Ezequiel de Paula ocuparam o palco para interpretar duas obras: Milonga a Simões Lopes Neto e o Tema de “A Casa Elétrica” compostas por Rojas.

A primeira ficou muito conhecida na interpretação de Renato Borghetti, enquanto a segunda foi composta para o filme A Casa Elétrica — uma história da primeira fábrica de gramofones da América Latina, que ficava em Porto Alegre.

O bis foi Oblivion, do Piazzolla, dedicado à filha Elis, que choramingava no colo da mãe, Mayumi, de quem Dhouglas é noivo. O noivado que, inclusive, ao estilo Dhouglas, aconteceu após um show do Queen Celebration In Concert, diante de um Araújo Viana lotado.

O palco do Tasso Corrêa, assistiu ao recital de meio de curso de um estudante que se mostrou completo. Do erudito — formal e “certinho” — ao popular — improvisado e cheio de memórias — Dhouglas mostrou que a graduação ainda é pouco para si. Ele já é um do mais importantes músicos do estado e a quem tenho a honra de chamar de amigo.

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